Condomínios Edilícios Residenciais Podem Proibir Locação de Unidade Autônoma via Airbnb? Precedente do STJ

artigo arthur locação

Amigo (a)(s) Leitor (a)(es), este artigo versará acerca da possibilidade ou não dos Condomínios Edilícios Residenciais proibirem a locação das unidades autônomas através da plataforma Airbnb. Inclusive, farei menção ao precedente recentíssimo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tratando sobre essa matéria.

Primeiramente, faz-se necessário mencionar o ponto fundamental dessa matéria, isto é, qual é a natureza desse negócio jurídico? Há basicamente 02 (duas) correntes, a 1ª (primeira) corrente entende que a locação se caracteriza como locação para temporada, cuja locação está disciplinada nos arts. 48 a 50 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991) e a 2ª (segunda) corrente inferi que essa locação trata-se de um contrato atípico de hospedagem e, por conseguinte, tem a finalidade não residencial.

Apresentada a tese das 02 (duas) correntes, importante dizer que nas convenções dos condomínios residenciais há uma cláusula padrão, estabelecendo que a finalidade das partes comuns e privativas é residencial, de modo que se o entendimento adotado for o da 1ª (primeira) corrente, o negócio jurídico é válido, visto que locação para temporada tem a finalidade residencial. No entanto, se for utilizada a tese da 2ª (segunda) corrente, o negócio será inválido, eis que o contrato atípico de hospedagem tem destinação comercial.

Destarte, antes de mencionar o julgado recentíssimo da Corte Cidadã atinente a esta matéria, julgo importante apresentar abaixo 02 (dois) acórdãos divergentes, cada um adotando as teses divergentes, vejamos:

1ª CORRENTE:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CONDOMÍNIO. LOCAÇÃO POR TEMPORADA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PARA CONDENAR A PARTE RÉ A SE ABSTER DE UTILIZAR SUA UNIDADE DE FORMA NOCIVA E DE FORMA COMERCIAL/NÃO RESIDENCIAL DIVERSA DA PERMITIDA NA CONVENÇÃO. RECURSO DA PARTE RÉ(…). Cuida-se, em síntese, de ação de obrigação de não fazer c/c pedido de tutela de urgência na qual o Condomínio Autor pretende que o Réu/Apelante, cesse as locações por meio de hospedagem on-line, através de plataformas digitais tais como o ‘AirBnb’, argumentando que a mesma tem finalidade comercial, em descumprimento ao previsto na Convenção do Condomínio. Defende que o Demandado vem fazendo uso indevido da propriedade, desvirtuando a sua natureza, contrariando assim o disposto no regimento interno. Como cediço, entre os direitos do proprietário, está o direito de usufruir o bem, inclusive locando a terceiros, por temporada, não podendo tal direito ser limitado pela Convenção nem pelo Regimento Interno do Condomínio, sob pena de indevida interferência e restrição no direito exclusivo de propriedade do condômino sobre a sua unidade residencial. Dentre as prerrogativas dos titulares do domínio, insere-se a de locar, ou mesmo dar em comodato, bem imóvel. O que é indissociável do direito de propriedade. Inteligência dos arts. 1.228 e 1.335 do Código CivilDeve ser esclarecido que as locações levadas a efeito pela apelante são realizadas através da plataforma on-line conhecida como “Airbnb”, a qual destina-se ao compartilhamento de imóveis e serviços de locação, sendo um canal direto para negócios entre locadores e locatários, de forma simples e rápida, por curtos períodos de tempo. Esse tipo de locação, ao contrário do alegado na inicial, tem natureza de locação por temporada e não de hotelaria/hospedagem, que oferecem serviços como recepção, limpeza, arrumação etc. Locação por temporada encontra previsão legal no artigo 48 da Lei n.º 8.245/1991 e é aquela contratada por prazo não superior a 90 dias (…) PROVIMENTO AO RECURSO.

(TJ-RJ – APL: 00024723320178190079, Relator: Des (a). ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH, Data de Julgamento: 06/10/2020, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/10/2020)” (Marcação minha)

2ª CORRENTE:

“CONDOMÍNIO EDILÍCIO – Ação de anulação de ata de assembleia geral ordinária de instalação de condomínio c.c. obrigação de não fazer, proposta por condômino contra condomínio, buscando obstá-lo de impedir locação de seu imóvel através de plataformas de hospedagem, julgada improcedente – Segundo a convenção o condomínio possui natureza exclusivamente residencial – Convenção condominial que é dotada de força cogente e obriga a toda a coletividade condominial, devendo os condôminos se comportar com respeito e obediência a ela – Locação de unidades condominiais por temporada através de plataforma de hospedagens online (airbnb, booking e afins) – Situação que se assemelha à hotelaria/hospedaria – Característica não residencial – Hipótese em que a verba honorária deve ser arbitrada por apreciação equitativa, ante o valor dado à causa – Sentença mantida – Recurso improvido.

(TJ-SP – AC: 11061086620198260100 SP 1106108-66.2019.8.26.0100, Relator: Caio Marcelo Mendes de Oliveira, Data de Julgamento: 05/05/2021, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/05/2021)” (Marcação minha)

Finalmente, em 20/04/2021 esse tema tão controvertido foi enfrentado pela 4ª Turma do STJ, ficou assim decidido:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICAUSO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem. 2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo. 3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados. 4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações). 5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias. 6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisoria de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008. 7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício. 8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV). 9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio. 10. Recurso especial desprovido.

(STJ. 4º Turma. REsp 1.819.075 / RS. Por maioria. 20/04/2021) (Marcação minha)

Por derradeiro, depreende-se pela leitura do aresto supracitado, cuja decisão é a primeira da Corte Superior, que há uma inclinação para adoção da 2ª Corrente (locação via Airbnb é de natureza não residencial, podendo ser vedado pelos condomínios edilícios residenciais). Porém, é imprescindível aguardar novos julgamentos acerca desta temática, por parte deste Egrégio Tribunal, para que haja o “amadurecimento” da corrente prevalente a ser seguido pela jurisprudência pátria.

Artigo escrito por Arthur Tavares.

Advogado do Escritório Arechavala Advogados.