Author: Luis Arechavala

A Garagem nos condomínios e o Direito dos idosos

A forma de utilização da “área para abrigo de veículo[1]” é aquela ordinariamente prevista na convenção de condomínio, regimento interno e decisões das assembleias. Todavia, tratando-se de vaga de idoso, é imperioso que se observe a determinação do art. 41 do Estatuto do Idoso (L. 10.741/03[2]), segundo o qual devem ser reservadas vagas de estacionamento públicos e privados para as pessoas maiores de 60 (sessenta) anos e posicionadas de forma a lhes garantir a melhor comodidade.

No cenário condominial isso significa que a garagem do idoso (seja ele condômino, locatário, comodatário etc.) deve estar situada de forma a assegurar maior facilidade de locomoção – próximo ao elevador de sua unidade, perto de rampa de acesso ou outros benefícios.

Assim, caso a convenção ou o regimento interno não contenham regras favoráveis ao direito do idoso, aplicar-se-á prioritariamente o Estatuto, concedendo-lhe o benefício legal.

Não poderia ser de outra forma, considerando que a normativa interna condominial é, obviamente, de hierarquia inferior às leis[3]. Assim não fosse, seria o condomínio considerado um país apartado, com leis próprias, ou, como fala o garboso advogado sergipano Alexandre Sobral, uma espécie de embaixada, cujos agentes diplomáticos gozam de imunidades não podendo serem presos ou processados no Brasil[4]. Terra de Marlboro, como falamos aqui no RJ.

Esses direitos são inerentes ao processo natural de envelhecimento, que torna os idosos vulneráveis e carecedores de uma tutela especial, a fim de preservar a igualdade constitucional, valendo aqui refrescar a memória que o princípio da igualdade pressupõe tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

O Estatuto, ainda, cria uma prioridade especial para as pessoas maiores de 80 (oitenta) anos, atendendo suas necessidades preferencialmente em relação às demais pessoas idosas (art. 3º, §2º, L. 10.741/03).

Portanto, naqueles prédios em que a garagem é de livre utilização, a lei atua garantindo à pessoa idosa a possiblidade de se servir das vagas que permitam uma melhor mobilidade, cabendo ao condomínio garantir essa aplicabilidade, sob pena de responsabilidade (art. 5º L. 10.741/03).

Em caso de sorteios, esse critério deve ser dividido em dois: (i) vagas de melhor acessibilidade sorteadas exclusivamente a serem sorteadas aos idosos (privilegiando, outrossim, aqueles acima de 80 anos) e (ii) as demais, para os outros.

Importante ressaltar dois pontos, onde a lei não atua: (i) não cria direito de utilizar a vaga onde a pessoa idosa não tem; (ii) não modifica em nada as vagas onde a utilização já é definida na aquisição da propriedade e tem sua demarcação na matrícula do imóvel.

Antes de nos despedir, vale lembrar que os romanos já diziam que o condomínio é a mãe de todas as rixas[1], portanto, você, síndico, não se sinta um desgraçado por defrontar tantas batalhas; entenda que sua função é exercida em um campo minado, onde a cada metro esconde-se o direito (ou vaidade) de alguém e o gestor deve estar preparado para lidar diariamente com isso, com profissionalismo, assessoria especializada, ciente da importância de sua atuação e de sua responsabilidade.

 

[1] O Código Civil não utiliza a expressão vaga de garagem, apenas se refere ao local como área para abrigo de veículos. Assim o faz nos arts. 1.331, §1º e 1.338. Vale mencionar que, segundo dicionário, garagem, por si só, já significa “Lugar usado para guardar qualquer tipo de automóvel” (https://www.dicio.com.br/garagem/)

[2] Essa lei atende a um comando constitucional expresso no art. 230 CF, que diz: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

[3] Curiosamente ainda encontramos muitos posicionamentos, inclusive jurisprudenciais, que determinada lei não se aplicaria aos condomínios por não se tratar de via pública. Se essa afirmação fosse verdadeira, por exemplo, bastaria a assembleia decidir ou a convenção prever que o condomínio não precisaria anotar a carteira de trabalho dos funcionários e nenhuma responsabilidade teriam sobre as verbas trabalhistas.

[4] Os privilégios e imunidades diplomáticos e consulares estão previstos, respectivamente, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e na Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

[5] mater rixarum

Escrito por Luis Arechavala e Marcia Lindsay Cabral Gomes

Para a Revista Síndicas de Sergipe

‘Bons costumes’ nos condomínios. O que significa?

Preceitua o art. 1.336, inciso IV, do Código Civil, que é dever dos condôminos respeitar os bons costumes. Mas o que se considera ‘bons costumes’? Ou seja, o legislador colocou bons costumes como uma limitação de comportamento dentro dos condomínios.

Costume é hábito, rotina. Essas práticas, quando reiteradas, viram costume. Contudo, bons costumes, no sentido jurídico, não é o que é moralmente aceito pela sociedade.

A professora Thamis Dalsenter Viveiros de Castro ensina que ofensa a padrões sociais e costumes tradicionalmente observados em determinadas sociedades, não são, por si só, reprováveis do ponto de vista jurídico. Não se pode limitar a conduta humana com base em valores de determinados grupos sociais se estes não encontram restrição constitucional[1].

Na seara condominial, a diferença entre os bons costumes sociais e jurídicos é muito rica e deve ser analisado com cautela para evitar censuras legais equivocadas. Vejamos alguns exemplos.

Em um edifício comercial, uma garota de programa que atua com discrição e recebe seus clientes com identificação na portaria (sem comprometer a segurança), da mesma forma que faz um dentista, um advogado ou qualquer outro ocupante, por mais que possa atentar aos bons costumes sociais, não revela qualquer ilícito jurídico – não podendo ter sua atividade restrita com base nos bons costumes[2].

Uma entidade religiosa, aceita socialmente, pode ser proibida de exercer suas atividades se seus seguidores resolverem fazer uma campanha de conversão com os demais moradores e empregados do edifício.

O condômino adimplente que impede o regular prosseguimento de uma assembleia por monopolizar a palavra ou promover debates inúteis e/ou intermináveis, incorre em uso abusivo da palavra (art. 187 do Código Civil) e, portanto, fere aos bons costumes, ainda que seja educado em suas colocações.

Nesse sentido, só se pode interferir na liberdade de agir de alguém, com base nos bons costumes, quando o seu exercício atingir na esfera jurídica de outra pessoa – sejam moradores, empregados, terceirizados, entregadores, visitantes e demais – não podendo conceitos morais restringir direitos garantidos pela Constituição Federal.

[1] In Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, vol. XIV, n. 4, pp. 99-125, out./dez. 2017.

[2] Vale lembrar que a prostituição não é crime.

Escrito por Luis Arechavala
Para a Revista Condomeeting | Edição 29.

banco é responsável por falha pix

Banco é responsável em caso de falha de transferência via PIX

Envio de Pix – Falha na Prestação do Serviço – Responsabilidade da Instituição financeira: A 27ª Câmara de Direito Privado de SP condenou um banco pela falha na prestação de serviço na realização de transferência por Pix.

O caso aconteceu da seguinte forma: uma consumidora contratou uma empresa de móveis planejados no valor de R$5 mil, cujo pagamento se realizaria mediante sinal e o restante na entrega dos móveis. Ao realizar o pagamento da entrada via Pix, o aplicativo do banco relatou um erro na operação, o que fez com que a consumidora a repetisse outras duas vezes, não concretizando-se de pronto.

Ao consultar os extratos, percebeu que as três operações se encontravam sob análise, de imediato entrou em contato com a instituição financeira para cancelar duas das três tentativas. No dia seguinte, constatou que as três operações haviam sido debitadas.

No caso em tela, o relator do recurso, desembargador Rogério Murillo Pereira Cimino, entendeu que a responsabilidade do banco não deve ser afastada, uma vez que foi a intermediária da operação realizada via Pix e, no caso, o “imbróglio se consuma em função da não instantaneidade da primeira transação”.

O julgador apontou ainda que o banco deveria ter percebido que a realização de três transferências seguidas, no mesmo valor e para o mesmo destinatário, deveria ser confirmada com o cliente.

Desta forma, o entendimento foi no sentido de que o banco deve ser incluído como responsável solidário para a devolução do saldo remanescente não devolvido pelo corréu, com fulcro no art. 14 do CDC que trata da responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou serviços.

Apelação Cível – TJ/SP nº 1000430-37.2022.8.26.0624

Escrito por Felipe Oliveira estagiário do Escritório Arechavala Advogados com supervisão de Luis Arechavala

Venda de imóvel entre ascendente e descendente

Venda de imóvel entre ascendente e descendente

Um proprietário pode vender todo seu patrimônio sem qualquer restrição, contudo, quando a mesma operação é feita para uma filha ou seu pai, por exemplo, a legislação considera anulável, salvo se tiver o consentimento dos outros descendentes (art. 496 CC).

Essa regra objetiva proteger os demais descendentes de uma antecipação de herança indevida, onde o proprietário poderia destinar maior parte (ou a totalidade) do patrimônio para um herdeiro, em detrimento de outro.

Infelizmente é muito comum os desentendimentos familiares que acabam causando rachas nos relacionamentos parentais, resultando, por exemplo, em predileção de um filho em relação aos demais no planejamento familiar.

Essa lógica pode ser inversa e o filho privilegiar um ascendente em desvantagem do outro, sempre lembrando que os ascendentes (pai, mãe, avós) também são herdeiros (art. 1.829, II, CC).

Na compra e venda, apesar da lei referir-se apenas a transferência de ascendente para descendente (art. 496 CC), o parágrafo único menciona em “ambos os casos”, dando a entender que teria mais um caso de anulabilidade. O Conselho da Justiça Federal editou enunciado com interpretação extensiva, abarcando a anulabilidade também na hipótese de venda de descendente para ascendente; é o Enunciado 177, CJF: Por erro de tramitação, que retirou a segunda hipótese de anulação de venda entre parentes (venda de descendente para ascendente), deve ser desconsiderada a expressão “em ambos os casos”, no parágrafo único do art. 496.

Mas, e se os demais filhos se recusarem ou não puderem consentir com a venda, o que fazer? Os interessados podem ir em juízo pedir o suprimento judicial, quando o juiz supre a assinatura da parte, como no precedente abaixo:

ALVARÁ JUDICIAL. VENDA ASCENDENTES. DESCENDENTES. OUTORGA UXÓRIA. INTERDITADA. SUPRIMENTO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. Admissível o suprimento judicial da outorga da mulher, incapaz para anuir, quando ausente prejuízo patrimonial para a mesma. (TJES, processo 57040002362, Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior, publ.: 12/09/2007)

O mestre Marco Aurélio Bezerra de Mello traz um exemplo didático:

É possível imaginar situação na qual a venda ao descendente permitirá angariar recursos para o tratamento médico custoso de outro descendente de um segundo casamento e um dos irmãos unilaterais se coloque desfavorável à venda a outro irmão sem que se apresente motivo justificador. Parece-nos que nesse caso hipotético a autorização judicial para a venda deve ser outorgada em favor dos interessados[1].

Como dito o objetivo é resguardar os herdeiros, evitando burla com a parte disponível do patrimônio com um eventual transpasse para um herdeiro em prejuízo de outro. Ocorre que essa trampa pode se dar por intermédio de outra pessoa, por exemplo, o namorado de um filho, uma nora, etc. Nesses casos aplicar-se-á a nulidade por simulação, uma vez que o contrato foi utilizado para aparentar a transferência do imóvel para uma pessoa diversa da que realmente se transfere (art. 167, §1º, I, CC).

 

[1] Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, livro digital, p. 297.

 

Escrito por Luis Arechavala
Advogado do Escritório Arechavala Advogados