Homofobia deve ser crime?

Acredita-se que o termo “homofobia” tenha sido cunhado por T.K.Smith, a partir da fusão de dois radicais gregos (“medo” e “semelhante”). A partícula “phobia” designa medo ou ansiedade irracional em relação a certo objeto, pessoa ou situação. Por exemplo, agorafobia significa o medo extremo de espaços abertos, enquanto aracnofobia é o temor em relação a aracnídeos. Entretanto, o sufixo em análise deve ser interpretado extensivamente quando tratamos a homofobia.

A homofobia traduz um preconceito sexual, caracterizado por um conjunto de sentimentos negativos, como hostilidade ou ódio. Assim, não é exatamente medo ou ansiedade elevada a estágios extremos, mas um comportamento que assume diferentes exteriorizações.

O autor franco argentino Daniel Borrillo, em seu livro “Homofobia- História e Crítica de um Preconceito” defende que esta hostilidade é relacionada não apenas a homossexuais, mas ao próprio conceito da homossexualidade. Isto explica porque os homofóbicos não rechaçam apenas homoafetivos, mas também heterossexuais que ostentam traços ou trejeitos parecidos com grupo repudiado.

O Estado pode tratar a homofobia tanto a partir de suas causas quanto de suas consequências. Enfocando na primeira alternativa, há de promover Políticas Públicas de combate ao preconceito, montando e reforçando aparatos administrativos que acolham, auxiliem e protejam os homossexuais. Por outro lado, pode ser preferível encará-la a partir da violência que promove, coibindo condutas que violem a integridade psicofísica dos membros da comunidade LGBT.

Todavia, o Direito Penal têm como alicerce Princípios que garantam sua incidência somente quando for necessário e na forma mais adequada, com o fito de obstar a instalação de um Estado maximizado. Uma vez que já existem tipos penais em nossa legislação que vedam o comportamento criminoso de uma forma ampla, seria imprescindível a criação de um tipo específico prevendo a criminalização da homofobia ou isso romperia com as bases da Ciência Penal?

Os argumentos pela criminalização podem ser agrupados em três eixos principais: a) há um problema de segurança pública, vez que cidadãos estão sofrendo retaliações de ordem física e psicológica, a despeito das promessas constitucionais de igualdade e proteção para todos, b) os bens jurídicos a serem protegidos são extraídos diretamente da Carta Magna, sendo, portanto, revestidos pela representatividade social exigida e c) a criação de leis que visam proteger grupamentos sociais específicos, tal qual a Lei Maria da Penha, sinaliza que o Estado não está desatento à realidade. Se o Artigo 3º, IV da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei Maria da Penha, inclusive com a criação de delegacias especializadas de apoio à mulher e combate à violência doméstica, não deveria haver omissão no que diz respeito aos membros da comunidade LGBT, que são igualmente alvo de sexismo.

A doutrinadora Maria Berenice Dias concorda com a criminalização. De acordo com seu entendimento, a inexistência de legislação sobre o tema é desrespeito a preceitos constitucionais de alta importância, que visam construir uma sociedade democrática, justa e solidária. Em suas palavras:

“Parece que sequer se atenta à Constituição Federal, que já em seu preâmbulo assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Também é consagrado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3ª, inc. IV): promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Para regulamentar o comando constitucional, a Lei 7.716/89 criminaliza o preconceito de raça ou de cor. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso atentam contra o preconceito em razão da idade. O Estatuto da Igualdade Racial visa a evitar a discriminação em face da cor. No entanto, a vedação constitucional de preconceito em razão de sexo – que alcança a discriminação por orientação sexual ou identidade sexual – prossegue sem uma legislação que criminalize atos de homofobia.”[1]

Em outras Nações onde a democracia também resta consolidada, o tema encontra-se sob os holofotes. Nos Estados Unidos, está em pauta a federalização de condutas delitivas impulsionadas por sentimentos de ódio e repulsa, especialmente as que recaem sobre minorias (como os portadores de necessidades especiais, por exemplo).

Contudo, a criminalização da homofobia é um tema sensível, que não merece ser estudado de forma leviana, levado por paixões que afloram perante a ventilação de notícias contendo doses de violência. É preciso levar-se em consideração o alcance e a eficácia desta medida dotada de alta força simbólica.

Como resumo dos argumentos contrários a tipificação do comportamento homofóbico, temos: (i) proteção simbólica, (ii) judicialização de problemas cujas origens são sociais e não próprias do sistema penal, (iii) criminalização de práticas que já previstas como delito pela lei, tal qual a injúria e o homicídio, (iv) sinalização da falência do Estado em assegurar a igualdade entre os cidadãos e não um Estado policial, provedor de segurança simbólica e (v) ocultação daquelas situações em que de fato há homofobia / bullying em razão de levar-se à Justiça casos de menor complexidade que poderiam ser administrados por outras vias.

Os indivíduos homofóbicos que porventura viessem a sofrer a execução penal encontrariam no cárcere terreno fértil para potencializar os sentimentos negativos que nutrem por seus objetos de desafeto. Afastados do convívio social, estariam igualmente distantes das políticas públicas que promovem a solidariedade. A prisão não é um ambiente próspero a tais discursos, sendo, portanto, improvável que o infrator deixe seus preconceitos de lado após a temporada de clausura. O problema restaria, assim, apenas mascarado.

Ademais, a criminalização enfoca nas conseqüências do preconceito e não em suas origens. Ao adotar esta postura, o Poder Público mostra-se descomprometido com a educação dos cidadãos, ou, em outras palavras, desinteressado em desconstruir a hierarquia da sexualidade a longo prazo, munindo-se de medidas imediatistas como forma de fornecer sensação de amparo à população.

A criminalização é criticada até por alguns membros da comunidade LGBT. Gustavo Bernardes, coordenador-geral de Promoção dos Direitos LGBTs da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), ao conceder entrevista para o Jornal do Comércio[2] a respeito do tema, disse que o primeiro passo seria fazer a população entender e conhecer o problema. A informação a respeito do preconceito deveria ser ventilada em todos os meios de comunicação, sendo papel do Estado assegurar que a população esteja a par das políticas públicas em andamento.

Trata-se, portanto, de medida decorativa, incapaz de tocar profundamente uma questão localizada no centro da hierarquia sócio-sexual. Ademais, a letra da lei não terá força para neutralizar os costumes, principalmente naquelas regiões onde recebem maior peso, conforme observamos em locais afastados dos grandes centros urbanos. Nestas localidades, um código moral forte impera, de forma que a homossexualidade continuará sendo perseguida à revelia da legislação por força dos códigos culturais que ali imperam.

Como conclusão, temos que o Estado dispõe de diferentes métodos para lidar com a homofobia. Porém, é necessário decidir se: (1) a resposta que se quer dar é de longo ou curto prazo e (2) pretende-se atacar as causas ou as conseqüências da homofobia. Caso a resposta seja a curto prazo, focando-se no resultado final do preconceito, a criminalização é o caminho mais acertado vez que promoverá algum nível de segurança, fazendo decair o número de ataques a homossexuais.

Todavia, caso o Poder Público comprometa-se a erradicar o preconceito desde a sua raiz, visando os benefícios a longo prazo, a alternativa mais aconselhável é a promoção de políticas públicas educacionais. Por mais que tais programas não se revelem eficientes de imediato, somente o ensino sobre tolerância, educação e respeito é capaz de mudar a mentalidade dos indivíduos, liderando-os à construção de uma sociedade mais igualitária e liberta de conceitos que põem em risco a integridade psicofísica de seus pares.

[1] DIAS, Maria Berenice. Homofobia é Crime? Disponível em: < http://atualidadesdodireito.com.br/mariaberenicedias/2012/05/14/homofobia-e-crime/> Acesso em: 04/09/2012.

 

[2] DUARTE, Cristina. Lei contra homofobia deverá entrar em vigor. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 6/09/2012. Disponível em: < http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=102985> Acesso em: 5/11/2012.